Às vezes me pego pensando naquelas mãos antigas, sujas de ocre, carvão e mistérios. Pessoas que viveram há milhares de anos, curvadas diante de uma parede de pedra, desenhando bisões, cervos e figuras humanas com lanças. Elas estavam ali tentando… o quê? Contar uma história? Acalmar um medo? Garantir que, de alguma forma, não seriam esquecidas?

Me pego encarando essas pinturas rupestres assistindo a um documentário (sim, eu amo história e antropologia) com a estranha sensação de familiaridade. Porque, no fundo, não parece tão diferente de hoje. A tela mudou – da caverna para o celular – mas o impulso é o mesmo: registrar. Mostrar. Compartilhar.

Será que aquelas figuras nas cavernas de Lascaux eram parte de um ritual? Um pedido aos deuses? Uma forma de ensinar aos outros onde caçar ou o que temer? Talvez um aviso, talvez um desabafo. Ninguém sabe ao certo. Mas há algo comovente na tentativa humana de deixar sinais para os outros. Algo que nos diz: “Eu estive aqui. Isso importa.”

Hoje, mandamos sinais para o espaço, temos câmeras, stories, timelines. E registramos tudo: o almoço, o pôr do sol, o cachorro dormindo de barriga pra cima. Coisas banais, triviais, às vezes belas. Mas sempre com o mesmo desejo antigo: que alguém veja. Que alguém entenda. Que a vida, mesmo na sua repetição, tenha algum significado quando exposta.

Às vezes me pergunto qual é a real necessidade disso tudo. Porque registramos tanto? Será que temos medo de desaparecer? De sermos esquecidos em meio à avalanche de dados? Será que, no fundo, somos os mesmos artistas da caverna, só que agora com wi-fi?

Talvez a maior diferença entre os antigos e nós não esteja na intenção, mas na frequência. Eles faziam um desenho e ele durava milênios. Nós postamos dezenas por dia que somem em vinte e quatro horas. E mesmo assim, continuamos. Tentando fazer as linhas ficarem proporcionais, tentando dizer algo que ressoe, tentando que o que sentimos seja visto.

A pedra era dura, eterna, exigia esforço. Hoje o registro é leve, instantâneo – e, talvez por isso, mais descartável. Mas o gesto, esse gesto de dizer “olha aqui o que eu vi, o que eu vivi, o que me tocou”… esse permanece.

No fim, talvez sejamos todos apenas versões diferentes da mesma tentativa: deixar um rastro. Mesmo que seja só um risco na pedra. Ou um story do meu doce preferido no Instagram.

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Túlio Aurelio

Faixa preta no tatame, iniciante eterno na vida.
Casado, pai de família, viciado em café e movido por fé e ideias que não me deixam dormir.

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