Eu tenho um vício. E confesso: preciso me livrar dele.
Se chama Coca Zero.
Só que esse detox não acontece hoje. Nem amanhã. Nem tão cedo.
Às vezes, trabalhando até tarde no escritório, desço para me refrescar e refrescar também os neurônios, que, nesse horário, já estão em greve. O problema é que, naquela noite, meu copo preferido simplesmente desapareceu. Evaporou. Fugiu. Entrou no programa de proteção a testemunhas. Sei lá.
Sem tempo para um resgate aprofundado no armário, peguei o primeiro copo que vi pela frente. E não foi qualquer copo. Foi o copo do fundo. Aquele que ninguém usa. Aquele que talvez nem fosse meu. Mas, naquele momento, ele foi o escolhido.
O ritual começa. Giro a tampa da garrafa e aquele pssst de gás escapando já me dá um arrepio na espinha de tão satisfatório. Dependendo da pressão, já sei o que me espera: uma efervescência de respeito. Quem nunca sentiu esse prazer simples?!
Mas é aí que mora o perigo.
Bastou uma leve inclinação errada da garrafa, uma distração de fração de segundo, e pronto: a espuma ganha vida própria. Pequenas bolhas começam a subir com uma velocidade desnecessária, como se estivessem fugindo da realidade. Em segundos, a espuma ultrapassa o topo do copo e forma aquela cúpula mágica que desafia as leis da física, da gravidade e do meu bom senso.
E agora?
Minha mente entra em modo tensão superficial máxima. Será que, se eu mexer, desanda? Se eu soprar, quebra o encanto? Se eu simplesmente negar a realidade, a espuma recua sozinha?
Claro que não.
O inevitável acontece. Primeiro, um filete tímido escorre pelo lado. Depois, a avalanche gaseificada se espalha pela pia como um tsunami negro. Fim de jogo.
Corro pegar papel toalha, mas já é tarde demais: um rastro pegajoso de Coca Zero sela o destino da minha noite.
E foi nesse exato momento, limpando a pia e refletindo sobre o que tinha acontecido, que entendi muita coisa.
O copo do fundo, esse que eu nunca pegaria em condições normais, era o verdadeiro vilão da história. Talvez seja isso que chamamos de destino: uma sucessão de pequenos erros que levam ao caos absoluto, regado a gás carbônico e frustração.
Mas, no fim das contas, talvez a vida seja só isso mesmo: um copo aleatório, uma espuma traiçoeira e a ilusão de que, algum dia, teremos controle sobre as coisas.
Mas acredite: não teremos.
Mas, sinceramente? Tudo bem. Porque, no final, depois de tudo isso, eu ainda tomei minha Coquinha.
Bem gelada.